terça-feira, 29 de setembro de 2009

UM SOPRO


Um sopro
uma flor
uma pétala a cair
no chão de um dia vago.

Um meio sorriso
um sorriso quase nuvem
rasgado em fragmentos de espanto.


Um olhar veludo
um olhar quase poema
impregnado dos silêncios mornos da noite.

E em cada amanhecer um sopro de nostalgia.


Maripa

terça-feira, 22 de setembro de 2009

OUTONO



Hei-de partir antes dos ventos altos.
Nos braços levo uma escrita tardia
com cheiro a frutos secos em terraços.
Grinaldas de lilazes no olhar.
Nos ombros o matiz bordado nas florestas
pelas mulheres magníficas do verão.


Encurtados aqui os trabalhos do sol
soltarei os gritos de pobres e de bichos
contra a insânia maior que a invernia.


De pronto partirei que um outro povo
aguarda o tempo novo além do capricórnio.

Licínia Quitério

http://sitiopoema.blogspot.com/

Imagem de Irene Alexeeva

sábado, 19 de setembro de 2009

PEQUENA ELEGIA CHAMADA DOMINGO

O domingo era uma coisa pequena.
Uma coisa tão pequena
que cabia inteirinha nos teus olhos.
Nas tuas mãos estavam os montes e os rios
e as nuvens.
Mas as rosas,
as rosas estavam na tua boca.

Hoje os montes e os rios
e as nuvens
não vêm nas tuas mãos.
(Se ao menos elas viessem
sem montes e sem nuvens
e sem rios...)
O domingo está apenas nos meus olhos
e é grande.
Os montes estão distantes e ocultam
os rios e as nuvens
e as rosas.

Eugénio de Andrade


segunda-feira, 14 de setembro de 2009

MORANGO E CHOCOLATE




O tempo olha-me de soslaio
enquanto tropeço numa noite de insónia
e pensamento em queda livre.

Pensamento guloso, pincelado com geleia e mel,
a navegar no mar imaginário que em mim vive.

Rasgo o silêncio e atravesso a madrugada
[ coração bate-que-bate ]
ao som da voz de Jacques Brel.

Olho o tempo de soslaio num doce quebranto,
cálice de Porto na mão
e boca lambuzada de morango e chocolate.




Maripa

terça-feira, 8 de setembro de 2009

LEMBRO




Lembro-me de ser sereia de olhos líquidos,
olhos aquário com peixes nadando devagar.

Lembro o canto suave
[ chamando o luar grávido de agosto ]
e de dançar na praia das tuas mãos macias.

Lembro o toque, o deslizar das mãos
no corpo vestido de algas e delícias.

Lembro as primícias de mil e uma noites
de astros acesos a transbordar de apelos.

No vagar dos sonhos serei sereia indefinidamente.



Maripa

Imagem de Ed Org