sábado, 31 de outubro de 2009

DIZ-ME SE NA ÁGUA



diz-me se
na água reconheces o rumor
adormecido nos búzios

diz-me se o outono tem
a ver com as algas
com a incerteza das folhas

e se há um sentido oculto
no rodar das estações

diz-me se
toda a imagem é engano
ou filha enjeitada
do fogo

diz-me se é certo
que o tempo
é o único olhar
prolongado nos dias

se a vida é o avesso da vida
e se há morte


José Tolentino de Mendonça

Imagem da Net

terça-feira, 27 de outubro de 2009

O BEIJO



Peço-te mar:
traz-me do azul profundo o segredo e o mistério das nereides,
traz-me das marés a flor de sal para temperar o mundo,
traz-me paz [um raminho de oliveira no bico de uma gaivota].
Oh mar!
Traz-me ondas de vida debruadas de espuma branca,
naus de velas redondas verdes de esperança,
traz-me cânticos de luz.
Cantarei para ti salmos em sol poente
e enquanto o eco inocente do canto torna a mim,
a brisa esvoaçante, num hábil bater de asas,
traz-me o beijo que, meigamente, sempre te pedi
em noites de amar em quarto crescente.


Maripa


Imagem da Net

sábado, 24 de outubro de 2009

CHOVE


Lágrimas redondas dizem adeus aos olhares de Outubro.

Chove
no coração dos pássaros,
na fragilidade perfumada das flores,
nas árvores grávidas de frutos outonais.
Chove.
E na humedecida natureza
brilha a deusa- mãe de todas as cores.

Algures,
lágrimas redondas deslizam no espelho das horas
e afogam, sem dó, fantasias sonhadas, vividas ao rubro.

Maripa

Imagem de Don Paulson

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

SOBRE O POEMA


Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne,
talvez ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.

Fora existe o mundo. Fora a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
as sementes à beira do vento,
- a hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.

E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as órbitas, a face amorfa das paredes,
a miséria dos minutos,
a força sustida das coisas,
a redonda e livre harmonia do mundo.

- Embaixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.

- E o poema faz-se contra o tempo e a carne.


Herberto Helder

Imagem de Josette Mercier

sábado, 17 de outubro de 2009

FOR SENTIMENTAL REASONS






Rod Stewart [ álbum Stardust ] 2004

e

For sentimental reasons [William Best - Deek Watson] 1945


SO BEAUTIFUL !

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

ORAÇÃO


Oração não é pedir. É um anseio de alma. É uma admissão diária das próprias fraquezas. É melhor na oração ter um coração sem palavras do que palavras sem coração.


Mahatma Gandhi
Imagem da Net

sábado, 10 de outubro de 2009

O SONHO É A PONTE



O sonho é a ponte
que vai do infinito ao infinito!
É a medida sem comparação,
é a presença do que se imagina.


Sonhar talvez só seja
reconhecer o que já nem a alma sinta
nem o próprio pensamento veja.


Ana Hatherly

Imagem da Net

sábado, 3 de outubro de 2009

DEIXO VOAR O XAILE


Deixo voar o xaile onde agasalho
a minha nudez [in]terna
e ausento-me para ir mais além.

Serro grades, oxidadas pelo tempo,
enleadas em trepadeiras de afectos.
Cerro olhos.
Olhos-cisterna de águas em movimento,
olhos-fonte de risos sempre correntes,
olhos-rio de ecos brancos a acenar.

Mais além, onde o silêncio é mais azul
e o céu se pinta de vermelho,
afogo a minha ausência num campo de malmequeres.
E
na tarde líquida que se esvai
incendeio o mar,
esqueço-me de mim
e
de voltar.

Maripa

Imagem de Kim Nelson