sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

NÃO TENHAS MEDO DO AMOR





Não tenhas medo do amor. Pousa a tua mão
devagar sobre o peito da terra e sente respirar
no seu seio o nome das coisas que ali estão a
crescer: o linho e genciana; as ervilhas-de-cheiro
e as campainhas azuis; a menta perfumada para
as infusões do verão e a teia de raízes de um
pequeno loureiro que se organiza como uma rede
de veias na confusão de um corpo. A vida nunca
foi só inverno, nunca foi só bruma e desamparo.
Se bem que chova ainda, não te importes: pousa a
tua mão devagar sobre o teu peito e ouve o clamor
da tempestade que faz ruir os muros; explode no
teu coração um amor-perfeito, será doce o seu
pólen na corola de um beijo, não tenhas medo,
hão-de pedir-to quando chegar a primavera.




Maria do Rosário Pedreira


Imagem: Net

sábado, 20 de fevereiro de 2010

NOCTURNO




Desfolho os dias,
bem me quer, mal me quer,
o mar me quer...
Um ritual profano de mágoas sentadas,
olhos postos no longe e no perto,
gestos desenhando enseadas.

Desfolho os dias
que já foram rios correndo para o mar,
que já foram habitados por rosas e por lírios
de corolas a sorrir a céu aberto.

Desfolho os dias,
bem me quer, mal me quer...

O tic-tac do relógio,
o espalhar da cinza das horas
[mortas à espera da madrugada].

O mar me quer
muito, pouco ou nada?


Maripa

Imagem: Iryna Varabei


terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

SER GENTE



Por muito que anseies
pelo porto de abrigo,
sabes que é ao largo do mar,
no centro da tempestade,
que atinges o teu tamanho.
Para além do medo do que é incerto
e do medo de não seres capaz,
estão as vagas vencidas pelo teimar,
está a rota por onde cresces,
em direcção ao norte,
a caminho do sol,
ou de ser gente.


Vasco Pontes

Imagem: Marina Cano

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

PALAVRAS BORBOLETA





A névoa cobre os tectos da cidade...
Palavras cansadas espreguiçam-se,
languidamente,
e espreitam pela janela entreaberta
a nudez das folhas em branco
no jardim deserto e adormecido.

As palavras precisam ser regadas
pelo orvalho das manhãs
para serem renovadas e belas...

Sei que há palavras que dizem tudo,
ou quase tudo,
que cantam hinos ao sol e à lua,
aos rios e aos mares,
palavras macias como veludo
a fazer nascer borboletas nos dedos
de mãos que não desistem de tocar as estrelas.


Eu preciso tanto de palavras borboleta para navegar!


Maripa


Imagem: Heidi blosch



sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

BRUMA



Perdidos meus olhos...

Incerto meu passo...
Vago o gesto, no espaço!...


Mesmo assim
o meu andar não se detem.


Além,
continuam a esperar por mim
os mundos que uma vez encontrados
ninguém mais descobriu...


Quem me viu?...


E eu vou só...
perdidos meus olhos
incerto meu passo,
vago o gesto no espaço...
mas VOU-ME!...


Isso me basta!

Alda Lara

Imagem: Aelin Quan