quarta-feira, 28 de setembro de 2011

NA ILHA POR VEZES HABITADA


Na ilha por vezes habitada do que somos, há noites,
manhãs e madrugadas em que não precisamos de
morrer.
Então sabemos tudo do que foi e será.
O mundo aparece explicado definitivamente e entra
em nós uma grande serenidade, e dizem-se as
 palavras que a significam.
Levantamos um punhado de terra e apertamo-la nas
mãos.
Com doçura.
Aí se contém toda a verdade suportável: o contorno, a
vontade e os limites.
Podemos então dizer que somos livres, com a paz e o
sorriso de quem se reconhece e viajou à roda do
mundo infatigável, porque mordeu a alma até
aos ossos dela.
Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres
como a água, a pedra e a raiz.
Cada um de nós é por enquanto a vida.
Isso nos baste.


José Saramago

Imagem: Google

domingo, 25 de setembro de 2011

AS FONTES



Um dia quebrarei todas as pontes
Que ligam o meu ser,  vivo e total,
À agitação do mundo  do irreal,
E calma subirei até às fontes.

Irei até às fontes onde mora 
A plenitude, o límpido esplendor
Que me foi prometido em cada hora,
E na face incompleta do amor.

Irei beber a luz e o amanhecer,
Irei beber a voz dessa promessa
Que às vezes como um voo me atravessa,
E nela cumprirei todo o meu ser.


Sophia de Mello Breyner

Imagem  Google

quinta-feira, 22 de setembro de 2011


O lugar onde eu mais aprecio estar é no vasto 

e arejado jardim

do



... trago de lá algumas mudas de sol que, mesmo quando

 eu não percebo, me ajudam a clarear os trechos 

de breu do caminho.


Ana Jácomo

Imagem de  Becky Kelly

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

PARA APRENDER A VOAR




Para aprender a voar nos bastava
o começo e o fim
de uma linguagem pessoal,
em que as mãos, impacientes,
despissem a paisagem
e, apenas por um instante, 
se tornassem asas.


Graça Pires

Imagem: Marta  Ferreira


sábado, 10 de setembro de 2011

SEM TI





E de súbito desaba o silêncio.
É um silêncio sem ti,
sem álamos,
sem luas.


Só nas minhas mãos
ouço a música das tuas.


Eugénio de Andrade

Imagem Google

terça-feira, 6 de setembro de 2011

SINCRONIA


Delicadamente, o vento soprava o fino tecido da cortina. Ela expandia, retraía, fluxo e refluxo das ondas da brisa carinhosa. Recostada na cama, olhar afrouxado, aquilo para mim se assemelhava à respiração serena de um instante que sorria.

Talvez outra vida, naquele mesmo momento, naquele mesmo quarto, não visse nada disso no tempo e do lugar de onde os meus olhos viam. É bem provável que eu só visse o vento, o sopro, as ondas, a respiração serena do instante sorridente, por causa do sorriso, dentro, que acontecia.


Ana Jácomo  [do blog "Cheiro de flor quando ri"]

Imagem: Google

sábado, 3 de setembro de 2011

EU SOU A CONCHA DAS PRAIAS



Eu sou a concha das praias
Que anda batida da onda
E, de vaga em outra vaga,
Não tem aonde se esconda.
Mas se um menino, da areia
A colher e a for guardar
No seio... Ali adormece
E é ali seu descansar.

Antero de Quental

Imagem: Google

quinta-feira, 1 de setembro de 2011






A vida é tecida como o linho: um fio de dor, um fio de ternura. Eu intrometo-lhe sempre um fio de sonho. Foi o que me perdeu.




Raul Brandão

Imagem: Google