terça-feira, 29 de novembro de 2011

E PEÇO AO VENTO



E peço ao vento: traz do espaço a luz inocente
das urzes, um silêncio, uma palavra;
traz da montanha um pássaro de resina, uma lua
vermelha.
Oh amados cavalos com flores de giesta nos olhos novos,
casa de madeira no planalto,
rios imaginados,
espadas, danças, superstições, cânticos, coisas maravilhosas.
Ó meu amor,
em cada espasmo eu morrerei contigo.



Herberto Helder [excerto do poema " Amor em visita"]

Imagem: google

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

ONTEM...


[Conhecemo-nos junto ao mar... em Agosto de 1949]


Ontem...
Prometemos amar-nos
até que a vida nos separe.

O amor foi-se cumprindo.
A vida foi rolando ao sabor das marés
alegrando-nos,
doendo-nos,
transformando-nos no que somos hoje.

Hoje
- no tempo que ainda nos cabe -
e sempre
em cada amanhecer
em cada anoitecer
um abraço feito de ternura
um abraço feito de orgulho
voa de cada um de nós
ao encontro de cada um de vós.

Ontem - hoje - sempre
de mãos dadas damos graças e louvor
pela vossa existência e incondicional amor.


[Para os nossos filhos, com amor]

                                                                          
[20.11.54 - 20.11.11  - nos 57 anos de estar juntos]
Maripa

Imagem: Google

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

ASAS





Houve um momento em que o aperto foi tão extremo e aflitivo que eu imaginei não conseguir suportar. Eu nem sabia que, exatamente naquele ponto, a natureza tecia asas para mim, em silêncio, mas foi lá que senti que eu era feita também para voar. O aperto, entendi somente depois, era uma espécie de morte, um prenúncio da transformação, uma ponte que me levaria a outro modo de ser.


Ana Jácomo

Imagem: Google

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

HOJE EU QUERO UM AMOR



Hoje eu quero um amor. Quero amor de criança. Amor sem cobrança, amor sem lembrança, amor sem passado, amor de presente. Hoje eu quero um amor sem segredo, quero amor sem medo, quero amor sem dor. Quero amor sem pressa, amor sem promessa. Hoje eu quero o amor que transborda do peito, que escorre dos olhos, que pinga na boca. Quero amor de confiança. Quero amor sem confusão. Hoje eu quero amor em paz. Quero amor por inteiro e não cara metade. Quero amor de liberdade. Amor de realidade. Amor do dia a dia, amor de todo o dia. Hoje eu quero amor que fala, amor que cala, que ouve, discute. Quero amor que diz sim. Quero amor que diz não. Hoje eu quero amor de verdade. Amor que vem da alma e não só do coração.


Claudia

do blog Escrivinhadeira

Imagem: Mila Gablasova 

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

AS POUCAS PALAVRAS



Foi um dia, e outro dia, e outro ainda.
Só isso: o céu azul, a sombra lisa,
o livro aberto.
E algumas palavras. Poucas,
ditas como por acaso.

Eram contudo palavras de amor.
Não propriamente ditas,
antes adivinhadas. Ou pressentidas.
Como folhas verdes de passagem.
Um verde, digamos, brilhante,
de laranjeiras.

Foi como se de repente chovesse:
as folhas, quero dizer, as palavras
brilharam. Não que fossem ditas,
mas eram de amor, embora só adivinhadas.
Por isso brilhavam. Como folhas
molhadas.

Eugénio de Andrade

Imagem: Wieslaw Syposz

domingo, 13 de novembro de 2011

E O LONGE É UM LUGAR ESTRANHO



Tempestade dentro,
coração prestes a galgar o peito,
sonhos arrumados perto do inatingível.

Cansada de mim,
da concha donde me foi sugada tanta energia,
_ lágrimas furtivas entranhadas na pele _
ajoelho no tempo. 

Sobra-me o desejo.
O desejo de mergulhar no sono, de mergulhar no mar
 onde voam felizes borboletas  e onde o azul
me permanece tatuado na memória.
O desejo de partir para longe.

E o longe é um lugar estranho.


Maripa

Imagem: Google

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

ATÉ AMANHÃ



Sei agora como nasceu a alegria,
como nasce o vento entre barcos de papel,
como nasce a água ou o amor
quando a juventude não é uma lágrima.

É primeiro só um rumor de espuma
à roda do corpo que desperta,
sílaba espessa, beijo acumulado,
amanhecer de pássaros no sangue.

É subitamente um grito,
um grito apertado nos dentes,
galope de cavalos num horizonte
onde o mar é diurno e sem palavras.

Falei de tudo quanto amei.
De coisas que te dou
para que tu as ames comigo:
a juventude, o vento e as areias.


Eugénio de Andrade

Imagem: Google

terça-feira, 8 de novembro de 2011

NA TERRA DOS SONHOS


[...]

Na terra dos sonhos podes ser quem tu és, agarras-te à hora em que o tempo não passou e juntos inscrevemos no espaço um novo alfabeto. Já passaram mil anos sobre o nosso encontro, mas o tempo não sabe nada, o tempo não tem razão, porque não há passos divergentes para quem se quer encontrar e enquanto houver estrada para andar, a gente vai continuar. E mesmo que me tenhas ensinado a partir nalguma noite triste, eu ensinei-te a chegar e pus-te a salvo para além da loucura e ensinei-te a não esquecer que o meu amor existe.

[...]

Margarida Rebelo Pinto

Imagem: magnolia pearl

sábado, 5 de novembro de 2011

ALGUÉM ME DISSE



Alguém me disse, um dia, que as aves
marinhas vão morrer (ou repousar)
no solitário coração dos barcos afundados.
Que sugestão de luz lhes indica
o inevitável caminho das águas mais azuis?

Graça Pires

Imagem: Google

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

PERSEVERANÇA





Jogo a minha rede no mar da vida e às vezes, quando a recolho, descubro que ela retorna vazia. Não há como não me entristecer e não há como desistir. Deixo a lágrima correr, vinda das ondas que me renovam, por dentro, em silêncio: dor que não verte, envenena. O coração marejado, arrumo, como posso, os meus sentimentos. Passo a limpo os meus sonhos. Ajeito, da melhor forma que sei, a força que me move. Guardo a minha rede e deixo o dia dormir.

Com toda a tristeza pelas redes que voltam vazias, sou corajosa o bastante para não me acostumar com essa ideia. Se gente  não fosse feita para ser feliz, Deus não teria caprichado tanto nos detalhes. Perseverança não é somente acreditar nas própria rede. Perseverança é não deixar de crer na capacidade de renovação das águas.

Hoje, o dia pode não ter sido bom, mas amanhã será outro mar. E eu estarei lá na beira da praia de novo.

Ana Jácomo

Imagem: Google