terça-feira, 31 de janeiro de 2012

DA MÚSICA



A música derrama-se
no corpo terroso
da palavra. Inclina-se
no mundo em mutação
do poema.

A música traz na bagagem
a memória do sangue;o caminho
do sol: lume e cume
de palavras polidas.

A música rompe um rio de lava
por si mesmo criado.Lágrima 
endurecida
onde cabem o mar
e a morte.

Casimiro de Brito

Imagem: Rupa Prakash

domingo, 29 de janeiro de 2012



Quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros que só existem diante das minhas janelas, e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.


Cecília Meireles

Imagem : Google

sábado, 28 de janeiro de 2012

ISOLO-ME




Isolo-me, mas não estou só...
Distraída com os matizes da natureza
sinto a frescura e o movimento da brisa
a entoar melodias surpresa.

Enlaço com gestos e elos subtis
nos ramos verdes de esperança
os ecos azuis vindos de longe
e saboreio o sussurro das folhas
nos gomos das tangerinas que vou colher.

Nem quero pensar no anoitecer...
A espuma dos planetas
e o tiquetaque do tempo
podem querer afastar-me
do casulo
da casa
do ninho
[que em mim sempre permanecem]
e assustar o doce jeito de voar das  borboletas.


Maripa 
 
Imagem: Johanna Wright

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

DOIS OLHARES



Esta vista de mar, solitariamente,
dói-me. Apenas dois mares,
dois sóis, duas luas
me dariam riso e bálsamo.
Arte na natureza pede 
o amor em dois olhares.



Fiama Hasse Pais Brandão

Imagem: Michael & Inessa Garmash

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

DAVID GARRET




David Garrett, o seu virtuosismo,

e o Verão das "Quatro Estações" de Vivaldi 

[vale a pena ouvir...]




domingo, 22 de janeiro de 2012

UM SIMPLES PENSAMENTO



É a música, esse romper do escuro.
Vem de longe, certamente doutros dias,
doutros lugares. Talvez tenha sido
a semente de um choupo, o riso
de uma criança, o pulo de um pardal.
Qualquer coisa em que ninguém
sequer reparou, que deixou de ser
para se tornar melodia. Trazida, 
por um vento pequeno, por um sopro,
ou pouco mais, para tua alegria.
E agora demora-se, este sol materno,
fica contigo o resto dos dias.
Como o lume, ao chegar o inverno.


Eugénio de Andrade

Imagem: Google

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

E AO ANOITECER





e ao anoitecer adquires nome de ilha ou de vulcão
deixas viver sobre a pele uma criança de lume
e na fria lava da noite ensinas ao corpo
a paciência o amor o abandono das palavras
o silêncio
e a difícil arte da melancolia


Al Berto

Imagem: Google

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

ROSAS A VAPOR



Ao cozinhar rosas a vapor faço do nosso amor
o doce mel das tardes de domingo frente ao mar.


Por vezes o mar torna-se oceano em nós
e banha a praia dos nossos sentidos
nas horas de vénus e de [a]marte.
E salga-nos a pele com estremecida ternura,
num tempero tão a gosto, tão apurado de afecto
que, mesmo agorinha, perdura.




Maripa

Imagem: google

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

POESIA



É a vida do tempo nos teus olhos,
é o beijo no mundo das palavras
por onde passa o rio do teu nome;
é a secreta distância em que tocas
o princípio leve dos meus versos;
é o amor debruçado no silêncio
que te cerca e que te esconde;
como num bosque, lento, ouvimos
o coração de uma fonte não sei onde.


Vítor Matos e Sá

Imagem: Google

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012




Quando você se sentir sozinho,
pegue o seu lápis e escreva.
No degrau de uma escada, no vão de uma janela,
no chão do seu quarto.
Escreva no ar, com o dedo na água, 
na parede que separa o olhar vazio do outro.
Recolha a lágrima a tempo,
antes que ela apague o sorriso e vá pingar pelo queixo.

E quando a ponta dos dedos estiver húmida,
pegue as palavras que lhe fizeram companhia e
comece a lavar o escuro da noite, tanto, tanto, tanto...
até que amanheça.




Rita Apoena

Imagem: Google




terça-feira, 10 de janeiro de 2012

E AGORA?...




Ouço ventos rasgados e brisas efémeras
prenúncio de lua ausente de perfume.
Ouço delírios de razões em horas acesas
a provocar uma nascente de lume.
Vejo nuvens a absorver os sons da terra
e a chuva a cair em flores - queixume.

Abraçam-me 
névoas espessas.
Oscilo como um pêndulo
 tremo de frio em arrepio
[ por dentro e por fora ].

E agora?... Agora só o cantar dos pássaros 
a diluir-se no entardecer me fará aquecer.


Maripa

Imagem:Csildike

MANHÃ





Como um fruto que mostra
Aberto pelo meio
A frescura do centro

Assim é a manhã
Dentro da qual eu entro


Sophia de Mello Breyner
Imagem: Google


 

sábado, 7 de janeiro de 2012

SE ACONTECER JANEIRO FLORIR




Se acontecer janeiro florir,
os pássaros cruzarão os céus
e virão de mansinho pousar nas nossas mãos.

Serão transparentes os raios de luar
que atravessarem a noite
e talvez até as estrelas dancem uma valsa
enquanto o sol dormir.

Se acontecer a esperança florir, o sorriso voltará
a colorir os rostos cinzentos e as manhãs
oferecerão flores cobertas de madrugada.

Não podemos viver de imagens e metáforas
nem de rancores, subterfúgios ou esquemas.

Precisamos ajudar a construir um lugar de sol
[um lugar ao sol]
onde florir seja o verbo de uma nova alvorada.




Maripa

Imagem: Google



quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

DE MENTES, GAIOLAS E PÁSSAROS ANTIGOS






saber da tua quase companhia
a luta por tirar do dia-a-dia as marcas da tua tatuagem
que não
não saem nunca

a mente a embarcar no som de volta
à ilha do passado
um barco já sem mar, sem fantasia

o medo de atracar
o isolamento
o medo de ficar estagnada em mais algum
tormento

pensamento - pássaro
volta a mim
gaiola não terás, mas cuidarei de ti como jamais
[alimento da alma]

viva ainda estou
para que possa apascentar enfim meu pequenino gado
e repousar em meio a flores

num deitar de sol.


Eliana Mora

Imagem: Google

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

... E EM SILÊNCIO



...E em silêncio, fazendo rolar os dias
guardar no olhar a forma incerta das sombras
o tom escarlate das papoilas
o grito aninhado nos umbrais do espanto e do medo
o voar cantante das pombas.

Em silêncio guardar o espírito transparente
e tranquilo das águas lisas
o nó misterioso das horas que guardam o segredo
das permanências além dor
o jeito enigmático das letras submissas
que o vento sopra a intermitências
para depois as casar em palavras
pelos livros fora e pelos anos dentro
com gestos rasgados de amor.

...E em silêncio guardar o silêncio no olhar.

Maripa

Imagem:Terry Cervi

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

RELÓGIO SEM PONTEIROS





Quando agora te debruças sobre a água do tanque, vês projectado, lá no fundo, um relógio sem ponteiros. Percebes, então, que a ferrugem é também uma qualidade e um atributo da água e não apenas de alguns metais a que chamamos vis. E percebes ainda que já não são necessários os relógios. Tu já não tens idade, nem o tempo, que partilha do halo e da fluidez da água e é, às vezes, como ela, tão inodoro e insípido, se deixa prender, mesmo num vaso de cristal. E não podes, assim, medir-lhe a respiração. A sua duração, se preferes. Se alguma ainda subsiste, é a que é regulada pelos ponteiros do seu próprio corpo.


Albano Martins

Imagem: Google