sexta-feira, 31 de agosto de 2012

QUE CHOVA







Que chova. Abundantemente, chova.
Que o mar receba as lágrimas do céu
e lhes ensine o sal e a saudade.
Que a chuva alumbre as dores
dos penhascos e os livre da sede
e os agrida e os comova e os lave.
Que chegue a noite e a chuva dance
nos faróis, no vento, nas grutas
onde dorme o pó e a escuridão.
Que chova sobre o pó e a demência
e as mãos dos homens sejam concha
e reaprendam o saber das águas
vivas, livres, circulares, eternas.



Licínia Quitério












Imagens: Kathryn Trotter

sábado, 25 de agosto de 2012

ERA UMA VEZ O AZUL...



Imagem: Google




era uma vez o azul...

era uma vez o azul...
dentro dele havia flores a cheirar a medo
havia o céu inteiro
à espera das suas nuvens
e os olhos à espera
do seu brilho
e eu à espera dos teus olhos
e o mundo à nossa espera
e tudo à espera do mundo...

não havia razão para tanto medo: fora-se a noite
e os teus olhos floriram
e eu vi-os rasgar a casa e o silêncio
e levantar do centro da sua voz as suas pétalas de 
liberdade

azul,amor
tanto azul dentro do meu sonho
desta cintilação de berlinde
à espera...

a história há-de rolar...
outra vez...


João Ricardo Lopes





Imagem: Annie Flynn

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

FRAGILIDADES


Imagem: Daniel Gerhartz




O chá esfria na chávena florida
de encantos de verão.

No aconchego da noite
o cantar das cigarras, o sopro morno do vento,
os nós de silêncio, os pensamentos-pássaro,
a chávena esquecida na mão, são apenas
os ecos de um agosto que se esqueceu de me aquecer .

O barco sem mar, a vela apagada, o gesto sem alma,
são apenas sentinelas de vidro- fragilidades -
...mas não vou desistir de, um dia, alcançar as estrelas.
Assim, partirei numa manhã sem tempo
ao encontro do anjo azul que me trará
o bule dourado com  chá de mistério.

Adoçado com mel, beberei gulosa.
E apaziguada, asas abertas, planarei no espaço...
...como uma chama ou como uma rosa?
Maripa






Imagem: Mr Thinktank





sábado, 18 de agosto de 2012

CASCATA


Imagem: José Luís Elvas


                             Cascata


Dos teus dedos, quando tocam teclas de água,
Escorre um rio que lava as minhas lágrimas
E me devolve os sonhos que quis ter um dia
Presente, vivos, num rodopio tonto de euforia

Dos teus dedos quando acordam calmarias,
Desprendem-se em cascata todas as fantasias,
E rolam revoltas as minhas ideias - tão soltas -
Por entre os seixos dóceis e os juncos complacentes

Nos teus dedos me perco e encontro o curso fluido
Transparente, da minha alma que pensava ausente




Isabel Solano




Imagem: Carol Knudsen




terça-feira, 14 de agosto de 2012

SABÍAMOS DO MAR SEM O SABERMOS








Sabíamos do mar sem o sabermos,
do mar dos mapas, da cor azul do mar,
dos naufrágios no mar,
do sol solto no mar.

Sabíamos do mar sem o sentirmos
nos poros dilatados pelo mar,
o verdejante mar escalando as montanhas
tão bruscas como o sal.
Sabíamos do mar em sinuosos sinos
assinalando a noite
com corações arrepiados, 
abertos como mãos
sulcadas de cabelos e molhadas
de rugas e escamas.

Sabíamos do mar em signos, símbolos,
tropos e metáforas.
Sabíamos do mar?
Sabíamos o mar.
Sabíamos a mar.


António Rebordão Navarro

Imagens: Vladimir Volegov 






 
 
 

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

NOSTALGIA



Imagem: Xie Chuyu



Por quem brilha esta lua imensa e branca,
se em meu peito vai um coração sem âncora,
navegando sem destino ou esperança
entre as sombras desta noite que amedronta?

Por quem canta a voz do vento que me toca
se esse som que ele derrama sempre evoca
inequívoca presença dos silêncios?

Por quem chora a vida em mim, se já não choro
essa mágoa que me fere e que deploro...

Quem ficou dentro de mim, se fui embora?


 Fátima Guerra  [Mellíss]                             





Imagem: Poetic Erik


domingo, 5 de agosto de 2012

ONDE TU ESTÁS É SEMPRE O FIM DO MUNDO






Procurar de ti mais do que a poesia,
as coisas que sobram vastamente do teu olhar.

Saber, se soubesses
como amo o que fica em mim dos teus olhos,
esse incorruptível cheiro que fico sorvendo
até a noite enfim me adormecer.

Pudessem os meus olhos repousar
cansados já que são da luz do dia,
no interior das tuas mãos cerradas
e nelas permanecer até
ao quebrar do dia e em ti,
por fim, anoitecer.




Alexandra Malheiro

Imagens: Vicente Romero Redondo












quinta-feira, 2 de agosto de 2012

TERRA


Imagem: Daniel Gerhartz


Piso em campos floridos.
Meu vestido encantado em rosas,
estou tão preciosa, estou descalça.
Força telúrica me eterniza,
sou tão criança a correr
e não importa o sonho perdido,
e não importa mais.
Isso é uma verdade para mim.
Isso é agora uma verdade nova.
Penso e me completo.
Penso e estou inteira.
Colho lírios, jasmins,
colho alegria em mim.
Piso novo chão.
Terra nova em meu coração.
Agora sinto o perfume das flores.
Agora sinto o cheiro da terra.
Fase se encerra.
Mãe Terra a me abraçar em comunhão.
Mãe Terra me abrindo as mãos.

Karla Bardanza




Imagem: Google