quinta-feira, 29 de agosto de 2013


Pintura de Paul Wolber




Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência ou os bagos de uva de onde nascem as raízes minúsculas do sol. Fora, os corpos inalteráveis do nosso amor, os rios, a grande paz exterior das coisas, as folhas dormindo o silêncio, as sementes à beira do vento, - a hora teatral da posse. E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.


Herberto Helder




Pintura de Vladimir Volegov

terça-feira, 27 de agosto de 2013

A TODOS E A CADA UM DOS MEUS AMIGOS




Por um       por todos       por nenhum
faço o meu canto        canto a minha mágoa
num desencanto aberto pelo gume
deste pranto tão limpo como a água.

Por nenhum        por todos ou por um
eu dou o meu poema        o meu tecido
de palavras gravadas com o lume
do medo que na voz trago vencido.

Por nenhum          por um          mesmo por todos
sou a bala e o vinho          sou o mesmo
que pisa as uvas          os versos e o lodo
num chão onde a coragem nasce a esmo.


Joaquim Pessoa

Imagens: Google





segunda-feira, 19 de agosto de 2013

OLHE BEM...







Olhe bem...será que a conhece ou terá apenas a impressão que já a viu em qualquer lugar? 

Não afaste o seu olhar do seu rosto durante uns momentos [olhe bem] talvez ela o olhe e possa tirar as suas dúvidas. Talvez a tivesse conhecido, quem sabe? 

Talvez me possa dizer quem é esta senhora de olhar misterioso, meio triste, mas ao mesmo tempo sereno.

Que memórias ou pensamentos a acompanham na solidão que aparenta?

Ou estará à espera de alguém que prometeu vir e tarda em chegar?







quinta-feira, 15 de agosto de 2013

CREPUSCULAR





A incerteza cai com a tarde
no limite da praia. Um pássaro
apanhou-a, como se fosse
um peixe, e sobrevoa as dunas
levando-a no bico. O
seu desenho é nítido, sem
as sombras da dúvida ou
as manchas indecisas da 
angústia.Termina com a
interrogação, os traços do fim,
o recorte branco de ondas
na maré baixa. Subo a estrofe
até apanhar esse pássaro
com o verso, prendo-o à frase, 
para que as suas asas deixem
de bater e o bico se abra. Então,
a incerteza cai-me na página, e
arrasta-se pelo poema, até
me escorrer pelos dedos para
dentro da própria alma.

Nuno Júdice

Imagens: Google