domingo, 29 de setembro de 2013

ESPERA-ME





Espera-me. Não vás muito depressa que já não consigo acertar o meu passo com o teu. Sabes, por trás daqueles muros altos, aqueles onde as heras fazem ninho, moram muitos segredos. Em tempos idos fui a princesa daquele sítio, o sítio do poema. Não cresciam por lá ervas daninhas e nem sequer às sombras era permitida entrada.
Dá-me a tua mão, sente como a minha está fria. Noutros outonos ainda as sentirias quentes e macias, mas o tempo que enferruja os portões não se compadece. Até as flores que davam vida aos canteiros estão a secar. Tudo vai renascer! Não, não entristeças, tudo tem o seu tempo. Olha a beleza das folhas das árvores, não te parecem pássaros a voar quando começa a ventar? E o brilho da chuva no empedrado da calçada? Quando eu era a princesa dos pés descalços gostava de sentir a relva molhada... e se havia brincos-de-princesa a resistir nos canteiros eu enfeitava-me vaidosa e virava o rosto ao céu para me deixar regar. Tinha vezes que até o arco-íris comparecia para me abençoar. Grata, toda eu resplandecia de inocentes prazeres!

Esquece. Eu aqui no meu inverno a relembrar primaveras... Agora é olhar em frente e esperar que o finito dos outonos aconteça. 

Espera-me.


Maripa

Imagens: Google



sábado, 28 de setembro de 2013

dá-me um lugar





dá-me um lugar onde possa reclinar a cabeça
um colo onde possa adormecer
e te saiba por perto

dá-me mãos inteiras de chuva
os lírios que a manhã me trouxe aos olhos
uma única razão para o dilúvio

e eu dar-te-ei um verso
do tamanho de uma casa



José Rui Teixeira

Imagens: Paul David Bond








segunda-feira, 23 de setembro de 2013

VIRAÇÃO






E se então a palavra
fosse apenas sopro
a vertigem tomaria conta
de tudo o que haveria para sorrir
e adormeceríamos aqueles dias
de áridas estações
e dos nossos olhos de contentamento
brotariam ternuras
             delírios
                         outras borboletas
e pelas frestas [da insanidade] do tempo
ventariam outonos lilases...



Helena Chiarello  [ revellar.blogspot.pt]

Imagens: Google







quarta-feira, 18 de setembro de 2013

DEIXA A ANGÚSTIA VOAR...




Deixa a angústia ser levada pelo vento.

Ao ser arrastada pelos ares
desintegrar-se-á lentamente.
As dores, ansiedades, os vazios
de todas as cores e cambiantes
serão gotas de chuva a cair nos mares.

Na madrugada nebulosa
ouve e abraça o sussurro
do amanhecer das flores.
Escuta o riso que mora
no silêncio da memória
e sente o gargalhar nascido
entre o beijo e o desejo.

Não esqueças a flor e o perfume
do amor que sempre repartiste
de coração em coração.

Deixa a angústia voar...
E sente o pulsar da vida
que ainda chama por ti.

Maripa

Imagens de Kitkat Pecson




terça-feira, 10 de setembro de 2013

SOLITUDE




Às vezes ela cansava. Ficava exausta de fazer parte. Gostava, quase sempre mais, quando estava só. Tinha uns momentos de solidão estelar, aquela solidão do não pertencer, do não compreender, em que tudo ficava no lugar.

Gostava do mundo físico. Gostava das paisagens, intimistas ou imensidões... Gostava das cores ora suaves, vezes vibrantes, ternas, agitadas. Gostava em especial dos aromas. Gostada deles por serem assim voláteis, estarem aqui por um segundo e depois não serem mais percebidos e ainda assim permanecerem na memória para sempre. Adorava os clichês básicos: sol na pele, chuva no rosto, vento no cabelo, terra nos pés. E o aconchego do fogo.

Amava pessoas. Gostava de observar suas nuances, suas emoções em eterno movimento. Tinha especial apreço pelas histórias que construíam com seus passos. Sentia-se bem entre pessoas, mas cansava-a a humanidade. Esgotava-se em padrões e conceitos. Ficava claustrofóbica e muitas vezes chegava mesmo a ter medo. De ceder. De igualar. De participar.

Gostava de ser assim, à parte. Estrela sem constelação.



Cláudia Barros  
[ escrivinhadeira.blogspot.com ]

Imagens: Google




segunda-feira, 2 de setembro de 2013

NO MEIO DO DIA





No  meio do dia,
quando dou conta
do longo caminho percorrido,
pergunto-me
se algumas lâmpadas, 
daquelas que deixei acesas,
                         ainda serão farol
no espalhar de sombras
                         e incertezas.

Para trás vão ficando
gestos,  olhares, outros matizes,
que não sei se são compreendidos
                          ou menos felizes...

Deixo emoções, palavras, esperanças,
flores secas semeadas pelo livro
                        que teimo em reler
na doçura breve de mais um dia
                         apegado a lembranças.

Algumas boas, outras nem tanto
e talvez um segredo secreto...
As saudades imensas do nosso mar,
dos banhos salgados
                que não posso
                      nem quero esquecer!

Maripa

Imagens: Google