quarta-feira, 28 de maio de 2014

ASAS AFLITAS




asas aflitas

fase silenciosa
antes do amanhecer

( como demora o sol
quando se espera por ele)

asas aflitas o pressentem

( sou do bando dos pássaros
acordadores do sol)

desde sempre assim
( antiga sina)

eu espero por ele
ele espera por mim

- e a noite perpetua


Nydia Bonetti

Imagens: Alaya Gadeh




quinta-feira, 22 de maio de 2014

SILÊNCIO





(...) Minha vocação é o silêncio.
Foi meu pai que me explicou: tenho inclinação para não falar, um talento para apurar silêncios. Escrevo bem, silêncios, no plural. Sim, porque não há um único silêncio. 
E todo o silêncio é música em estado de gravidez.
Quando me viam, parado e recatado, no meu invisível recanto, eu não estava pasmado. Estava desempenhando, de alma e corpo ocupados: tecia os delicados fios com que se fabrica a quietude.
Eu era um afinador de silêncios. (...)




Mia Couto, in Jesusalém

Imagens Google




quinta-feira, 8 de maio de 2014

O TU E O EU NA PAISAGEM





Não é o restolhar do vento.
É  a tua lembrança
que se ergue em mim.

Não é a rosa do sol a esfolhar-se.
É a minha boca - sede e romã -
que sangra na tarde.

Não é a noite que desce.
É a sombra dos teus olhos
a fechar o horizonte.


Luísa Dacosta

Imagens Google







sábado, 3 de maio de 2014

AMAVISSE


Chelin Sanjuan





Como se te perdesse, assim te quero.
Como se não te visse ( favas douradas
Sob um amarelo) assim te apreendo brusco
Inamovível, e te respiro inteiro.

Um arco-íris de ar em águas profundas.

Como se tudo mais me permitisses,
A mim me fotografo nuns portões de ferro
Ocres, altos, e eu mesma diluída e mínima
no dissoluto de toda a despedida.
Como se te perdesses nos trens, nas estações
Ou contornando um círculo de águas
Removente ave, assim te somo a mim:
De redes e de anseios inundada.

Hilda Hilst










quinta-feira, 1 de maio de 2014

HOUVE UMA ILHA EM TI QUE EU CONQUISTEI







Houve uma ilha em ti que eu conquistei.
Uma ilha num mar de solidão.
Tinha um nome a ilha onde morei.
Chamava-se essa ilha Coração.

Que saudades do tempo que passei.
Nenhum desses momentos foi em vão.
Do teu corpo, de ti, já nada sei.
Também não sei da ilha, não sei não.

Só sei de mim, coberto de raízes.
Enterrei os momentos mais felizes.
Vivo agora na sombra a recordar.

A ilha que eu amei já não existe.
Agora amo o céu quando estou triste
por não saber do coração do mar.

Joaquim Pessoa

Imagens Google