quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

CORRESPONDÊNCIA AO MAR





Quando penso no mar
A linha do horizonte é um fio de asas
E o corpo das águas é luar,

De puro esforço, as velas são memória
E o porto e as casas
Uma ruga de areia transitória.

Sinto a terra na força dos meus pulsos:
O mais é mar, que o remo indica,
E o bombeado do céu cheio de astros avulsos.

Eu, ali, uma coisa imaginada
Que o Eterno pica,
Vou na onda, de tempo carregada,

E desenrolo...
Sou movimento e terra delineada,
Impulso e sal, de pólo a pólo.

Quando penso no mar, o mar regressa
A certa forma que só teve em mim -
Que onde acaba, o coração começa.

Começa pelo aro das estrelas
A compasso retido em mente pura
E avivado nos vidros das janelas.

Começa pelo peito das baías
A rosar-se e crescer na madrugada
Que lhe passa ao de leve as orlas frias.

E, de assim começar, é abstracto e imenso:
Frio como a evidência ponderada.
Quente como uma lágrima num lenço.

Coração começado pelos peixes,
És o golfo de todo o esquecimento
Na minha lembrança que me deixes,

E a rosa dos ventos baralhada:
Meu coração, lágrima inchada,
Mais de metade pensamento.



Vitorino Nemésio, O Bicho Harmonioso, Coimbra, 1938

Imagens: GOOGLE







5 comentários:

  1. Minha querida Maripa, trouxe aqui um belíssimo poema do nosso grande poeta açoriano Vitorino Nemésio.
    Para ele o mar era tudo, tal como para si doce amiga.
    Um beijinho com amizade

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    1. O mar lava-me a alma...
      Beijinhos amigos, minha querida Fê.

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  2. O mar é uma fonte inesgotável de palavras poemas.

    Um bem-haja pela partilha do nosso Vitorino Nemésio.



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    1. Poesia e mar andam muitas vezes de mão dada...

      Beijinho amigo, querida mz.

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  3. Olá, doce Maripa.
    Reli este poema bonito.
    Nos últimos tempos nem ele, o mar, me tem valido.
    Tem andado quase sempre com o humor de inverno, ainda e,
    olhá-lo até assusta.
    Mas ainda que manso estivesse,
    penso que nem ele serviria hoje
    para que soltasse minha alma
    sobre suas águas, a vaguear, destemida. Pois essa encolheu-se algures, amedrontada,
    tem até medo da vida.

    Amiga Maripa, que é feito de si? Espero, de meu coração, que esteja bem. E que o seu vizinho mar esteja mais manso que o meu ;)
    um bj amg

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"Aqueles que passam por nós, não vão sós, não nos deixam sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós” disse Antoine de Saint-Exupéry.

Grata pela sua visita e pelo carinho que demonstrou, ao dar-me um pouco do seu tempo, deixando um pouco de si através da sua mensagem.