sábado, 26 de junho de 2021

TU TENS UM MEDO


Aquarela de Agnes-Cecile


Tu tens um medo

 

Tu tens um medo:

Acabar.

Não vês que acabas todo o dia.

Que morres no amor.

Na tristeza.

Na dúvida.

No desejo.

Que te renovas todo o dia.

No amor.

Na tristeza.

Na dúvida.

No desejo.

Que és sempre outro.

Que és sempre o mesmo.

Que morrerás por idades imensas.

Até não teres medo de morrer.

 

E então serás eterno. 

Cecília Meireles



Lindsey stirling -Boulevard of broken dreamas



 

sexta-feira, 25 de junho de 2021

Flores para a FÊ

 




Flores para uma Amiga muito querida, A FÊ, que reencontrei por um feliz acaso. Fiquei tão contente e emocionada... 
 ... e como quando as palavras faltam, as flores falam,
 escolhi " Tango en Skai"  para as acompanhar. Espero que goste. 
             
 Abraço, minha linda.




Hauser & Petrit Çeku - Tango en Skai

terça-feira, 22 de junho de 2021

Pedro Abrunhosa & Os Bandemónio - Momento (Uma Espécie De Céu)

"Uma espécie de céu" 

 1ª faixa do disco Momento 

 

Palavras escritas para  a construção do disco MOMENTO de Pedro Abrunhosa

 

Momento é por definição o instante irrepetível. A música é pois, ainda que de forma estranhamente paradoxal, a arte de tornar perene o momento, estruturada que é no conceito de tempo e da repetição encantatória deste. Assim construí eu este disco. Uma maneira de tornar eternos os meus instantes, de os lançar como nuvens invisíveis sobre o céu carregado das melodias que me ensombram. Aqui habitam todos os fantasmas, as obsessões, as loucuras possíveis e todas as outras que não cheguei ainda a pronunciar. Das palavras faço canções que me fintam e se perdem por entre a harmonia seca de um piano qualquer. São as esquinas da cidade que me seduzem, mulheres vestidas de maquilhagem carregada, vultos escorregadios que tecem a noite como pássaros silenciosos, madrugadas encantadas entre as pegadas de um areal molhado pela chuva imprecisa. Os meus momentos são banais e por isso os canto. Esta vontade que tenho de tornar o real numa canção que repito até que outra canção me surja do sonho. Elas são o mundo a pulsar a cada piscar de olhos, o lento crescer de um lírio num deserto de cetim e cimento, as letras esbatidas de um jornal que ninguém lerá. Este é o meu Momento. Assim se cumprirão nas vossas mãos os meus instantes irrepetíveis.


                                                                                                   Pedro Abrunhosa




domingo, 20 de junho de 2021

O ESPELHO

 



Imagem: Pinterest

O Espelho

 

Esse que em mim envelhece

assomou ao espelho

a tentar mostrar que sou eu.

 

Os outros de mim,

fingindo desconhecer a imagem,

deixaram-me a sós, perplexo,

com meu súbito reflexo.

 

A idade é isto: o peso da luz

com que nos vemos. 

 

Mia Couto


Canon in D (Pachelbel´s) Arpabaleno // Harps


quinta-feira, 17 de junho de 2021

NO HORIZONTE

 

Imagem: Pinterest

No horizonte


No horizonte que mora para além

do infinito os meus olhos

há estrelas a brilhar.

Estrelas que preciso acesas

- dia e noite -

para saber onde poisar.

 

Gaivota sou.

Gaivota com medo

do apagar das estrelas

do escuro do futuro.

Medo

que o mar me fuja

e a maré baixa

não volte a subir.

Medo

de ser gaivota sem horizontes

nem praia onde dormir.

 

Não. Gaivota sou e quero ser.

Enquanto asas tiver, hei -de voar

e ser gaivota num corpo de mulher.


Maripa

[já editado]


sexta-feira, 11 de junho de 2021

O PÁSSARO CONHECE O VALOR DA NUVEM

 

Imagem: Abraham Hunter


O pássaro conhece o valor da nuvem

Sabe do cheiro da água

na boca do entardecer.

E tantas vezes beija a terra

para colher o alimento. 

 

O pássaro percorre os céus

e o ser sem pensar no sentir.

Existe. Assim de simples.

Fazendo parte de todas as coisas.

 

O pássaro sabe do canto e encanta. 

 

Desconhece que a voz do homem

produz sons de clausura.

Nada sabe da palavra que se quis... liberdade.

Mas sabe Ser. Livre.

 

Amo os pássaros mais que a palavra.

Ser, perto do voo, sem ruído de correntes.

 

Sónia Micaelo



Pintura: Basil Ede


terça-feira, 1 de junho de 2021

CEGA, SECRETA E DOCE COMO ESTRELAS

 




 

Entre o terror e a noite caminhei

Não em redor das coisas mas subindo

Através do calor das suas veias

Não em redor das coisas mas morrendo

Transfigurada em tudo quanto amei.

 

Entre o luar e a sombra caminhei:

Era ali a minha alma, cada flor

- cega, secreta e doce como estrelas -

Quando a tocava nela me tornei.

 

E as árvores abriram os seus ramos

Os seus ramos enormes e convexos

E no estranho brilhar dos seus reflexos

Oscilavam sinais, quebrados ecos

Que no silêncio fantástico beijei.

 

 

   Sophia de Mello Breyner Andresen



                                                                                                Imagens: Pinterest