quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

NO INVERNO...

Imagem: Pinterest

No inverno ...


No inverno dos meus sentires

e quereres por cumprir

percorrem-me cores de outono

e licores de sol posto.

 

Sem se perturbarem

vagueiam em mim

dão-me asas

esquentam-me

e pintam -me

no rosto descorado

tatuagens de cor.

 

No inverno dos meus sentires

a chuva cai embriagada

e escorre

como se fossem lágrimas

pelas rugas

_meninas dos meus olhos_.


 Não sinto dor.

Não sou sempre flor.

Sinto-me viva no inverno

dos meus quereres por cumprir.

                                                   

 Maripa [publicado num outro inverno...]



 Clarice Lispector/ Reflexão

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

TESTAMENTO

Imagem: Pinterest

Testamento

 

Pouco importam

todos os versos que escrevi.

Importam as estrofes grudadas na língua

e as rimas que ficaram na carne.

Importa o que eu não disse

e  me deixou

essa mudez interna.

 

Importam todas as palavras

sopradas sem fôlego.

E todas as efêmeras palavras

e as paixões que calei

importam.

 

Todas as vezes

em que engoli as lágrimas

e silenciei os gritos

importam.

 

Comigo levarei

os ecos de todos

os meus silêncios.

 

Solange Firmino [poeta brasileira]



Memory - Carlton Forrester

 




 

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

SÓ OS DOIS



 

Só os dois

 

Tenho saudades do mar                                  

do tempo em que

te olhava longamente

olhos nos olhos

e ficava de alma lavada.

 

Só os dois, eu e tu.

 

Eu cabia numa das tuas ondas

e vivenciava o teu afago

[ tão doce e salgado ]

perdida  do longe que existia,

saciada da saudade que sentia.

Maripa



YOUtUBE - Thalassa - Stamatis 
imagem: Pinterest 


terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

DO OUTRO LADO



Do outro lado


Do outro lado é fevereiro, o rosto toldado dos dias mínimos, pássaro aninhado à porta do poema sob o peso de uma palavra imóvel.


Do outro lado é a rapariga feita de água e nevoeiro. E a travessia; a florista e os cestos avessos à invenção das flores.


É o ressoar de uma praça sem nome comprimida entre um entardecer e uma alvorada indistinta.


O outro lado é por aqui, onde não passam estrelas e por isso não há como dizer sim a uma e não a outra sem deixar cair um queixume.


Deste lado é a música e os traços vagos que ela deixa à flor dos sentidos, quando anoitece.

 Lídia Borges 





Yo-Yo Ma and Bobby  McFerrin - Stars

Imagem : Pinterest
 

quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

PENSAMENTOS VADIOS

 


Pensamentos vadios

 

 Meus pensamentos vadios

voam como se pássaros fossem

no noturno silêncio da casa.

 

Cada asa, com inúmeras penas,

leva consigo um grito temeroso

criador de sobressaltos no peito

com mágoas de fogo em brasa.

 

No leito, na noite fria e insone

enchem-se os espaços vazios

de horizontes longínquos

desacertos de memória,

do pesadelo que me arrasa.

 

No sonho da noite sem nome

há flores em jardins brilhantes

mostram-se estrelas  e luares,

enquanto nos mares pacifícos

os novos pensamentos vadios

são peixes-voadores libertos

planando na rota dos navios.

Maripa



Rewrite The Stars - The Piano Guys

Foto de Natalia Deprina

quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

A TONALIDADE DAS PALAVRAS

Pintura de Stanton Macdonald -Wright


A tonalidade das palavras

 

As palavras também têm sábados e dores de cabeça e uma história real na construção do mundo.

As palavras entristecem com a nossa fala. E nós enlouquecemos sem elas. Porque o mundo são palavras.

As cores são palavras. A palavra primavera floresce em nossa boca. E a palavra mar faz de quem a pronuncia, uma ilha encantada.

Quando parto sem palavras, uma tristeza vai comigo a doer-me no sangue, na raiz da fala e do afecto.

Só elas podem explicar o mistério do amor.

Delas retiro o ouro, o trigo, a fala e a esperança. Nelas vive o tigre e a esmeralda. Delas sopra o vento.

São curandeiras. Feiticeiras. Mensageiras. Deusas.

São o canto da alma e a voz que falta às andorinhas.

E o sorriso do anjo. E a única coisa que Deus não inventou.

São essas palavras que ficam mudas no coração da gente para que os beijos possam dizer o que elas não dizem.


Joaquim Pessoa, em "Guardar o Fogo"



Evgeny GrinKo - Carousel

sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

FLORES DE ESPANTO



Flores de espanto

 

Porque trazia flores de espanto no cabelo

e na boca sequiosa bagos de romã

vieste viver dentro do meu olhar

que brincava ao ritmo de uma valsa.

 

E eu... eu esperei por ti

mulher-criança

lambuzada de amoras

enamorada e... descalça.

 

No borbulhar do sonho

enchemos as mãos de flores acesas

por sobre ondas marinhas

_ondas de espuma e asas de gaivota_

no mar onde podíamos navegar

com um amor feito de certezas.

 

Nascem e morrem Primaveras...

As tuas mãos ainda estão nas minhas.

                                                                                                        Maripa

( publicado faz tempo...)





...O tempo voa...

Imagens: Pinterest
 

terça-feira, 11 de janeiro de 2022

Pintura de Susane Bourdet



Palavras  Plantas Pássaros


Há dias em que as palavras brotam silenciosamente

por todos os ramos

por todas as frestas

dos dedos e das pedras que cobrem o humilde chão

que somos.

Deixo-as brotar e crescer.

Às vezes

lá encaminho as mais trepadeiras

com o fio

ou a cana do poema.

Outras vezes aparecem

em revoadas como os pássaros.

Fecho os olhos.

Deixo-as poisar-me nos ombros

E nem sequer

faço o gesto

para as não espantar

de empunhar a caneta

para as fixar na página.

Nunca gostei de imobilizar borboletas  com alfinetes

em páginas de álbum!

 

Teresa Rita Lopes



Rameau: Le Rappel des Oiseaux [Anastazia Rasvalyaeva]

segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

QUANDO EU ERA MENINA



QUANDO EU ERA MENINA

 

Quando eu era menina, olhava o rio que me viu nascer e que corria ao encontro do mar...

Com prazer, diluía os olhos que então tinha na beleza dos reflexos que a luz do sol desenhava nas águas mansas...

Quando eu era menina apanhava flores silvestres e com elas fazia raminhos; abraçada à sua cor, deixava-me levar até ao arco-íris mais próximo.

Quando eu era menina, sentava-me no chão a comer laranjas à sombra da laranjeira que me servia de chapéu; ali ficava, pensativa, a olhar o céu, esperando a resposta a tantas perguntas que me escorriam pelos cantos da boca.

Respostas impossíveis às perguntas impossíveis com que nasci...

Quando eu era menina nem tudo era simples, mas a fantasia, num passo mágico, transformava as dificuldades em borboletas e tudo voltava a brilhar...

Quando eu era menina nem tudo era simples, mas a fantasia, num passo mágico, transformava as dificuldades em borboletas e tudo voltava a brilhar...

 

Por isso gostei tanto de ser menina, de ser criança.

Ainda hoje guardo pedaços dessa menina dentro de mim.

Maripa

[já editado faz tempo...]

 




The Butterfly   -   Classic Guitar