quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

PARABÉNS A MIM







Viver é observar, fixar, transformar. Experimentar mudanças. E ensinar, acompanhar, aprendendo sempre. A vida é uma sala de aula onde todos somos professores, onde todos somos alunos. Viver é sempre uma ocasião especial. Uma dádiva de nós para nós mesmos. Os milagres que nos acontecem têm sempre uma impressão digital. A vida é um espaço e um tempo maravilhosos mas não se contenta com a contemplação. Ela exige reflexão. E exige soluções.

A vida é exigente porque é generosa. É dura porque é terna. É amarga porque é doce. É ela que nos coloca as perguntas, cabendo-nos a nós encontrar as respostas. Mas nada disso é um jogo. A vida é a mais séria das coisas divertidas.

 

Joaquim Pessoa


Imagem :Pinterest

sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

FELIZ NATAL



  


Natal

Soa a palavra nos sinos,

E que tropel nos sentidos,

Que vendaval de emoções!

Natal de quantos meninos

Em nudez foram paridos

Num presépio de ilusões.

 

Natal da fraternidade

Solenemente jurada

Num contraponto em surdina.

A imagem da humanidade

Terrenamente nevada

Dum halo de luz divina.

 

Natal do que prometeu,

Só bonito na lembrança.

Natal que aos poucos morreu

No coração da criança,

Porque a vida aconteceu

Sem nenhuma semelhança.

Miguel Torga [1974]



Silent Night  - Luka and Eugeny

sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

DE MÃO DADA

 


De mão dada


Amanheci perdida.

Amanheci esquecida

de tudo o que pensei saber...

 

Desatinei ao entardecer

longo, sombrio,

mãos

em

prece

lágrimas

em

fio.

 

Chegas.

 

Dás-me um abraço,

coração com coração.

A tua energia é vida

a voz o consolo de uma oração.

 

Anoiteço apaziguada,

vendo no teu olhar o amor.

 

Não precisamos de palavras.

Serenamente

aconchegados

adormecemos de mão dada.

 

 Maripa



Yiruma - Love me

Imagem: Pintereste



domingo, 28 de novembro de 2021

AMOR FAZ DE SOL






Amor faz de sol

 

Amor

faz de sol

 

adormece os pássaros

insones

no meu corpo

 

Amor

faz de mar

 

e de mim um seixo húmido

nítido

brilhante

 

Amor

faz de lua

 

equilibra um barco

nos meus dedos

um nenúfar

a sombra de uma ponte

 

E sê a noite imensa

e sê o rio sem nome

o cavalo solto

a distância plena

 

Teresa Rita Lopes




YouTube e Pinterest 

terça-feira, 16 de novembro de 2021

SEMPRE EM NOVEMBRO

Imagem: Weheartit.com


Sempre em novembro


 Isenta de mim estarei pronta para riscar

os dias no pó que será barro de oleiro,

em mãos que talham enredos.

Prendo no pescoço um friso

de alecrim e sigo, por atalhos,

a linhagem das árvores de troncos espessos.

É agora meu o tempo acutilante do silêncio.

Faço o inventário inexplicável

dos pássaros que morrem todos os anos,

sempre em novembro,

sempre no fundo de meus olhos,

sempre ao som das primeiras chuvas.

E morro também, de morte lenta,

no cetim das flores desfolhadas

sobre o musgo dos sentidos.

 Graça Pires

De "Uma claridade que cega"



Just for You,
minha Amiga Graça.

sexta-feira, 5 de novembro de 2021

ASTRONOMIA



ASTRONOMIA

 

Vou buscar uma das estrelas que caiu

do céu, esta noite. Ficou presa a um

ramo de árvore, mas só ela brilha,

único fruto luminoso do verão passado.

 

Ponho-a num frasco, para não se

oxidar; e vejo-a apagar-se, contra

o vidro, à medida que o dia se

aproxima, e o mundo desperta da noite.

 

Não se pode guardar uma estrela. O

seu lugar é no meio de constelações

e nuvens, onde o sonho a protege.

 

Por isso, tirei a estrela do frasco e

meti-a no poema, onde voltou a brilhar,

no meio de palavras, de versos, de imagens.

 

Nuno Júdice, O Breve Sentimento do Eterno



Alexandra Whittingham - Um dia de noviembre 

Imagem e vídeo: Google


segunda-feira, 1 de novembro de 2021

Para o meu amor

 





São as pessoas como tu que fazem com que o nada queira dizer-nos algo, as coisas vulgares se tornem coisas impor-tantes e as preocupações maiores sejam de facto mais pe-quenas.

 São as pessoas como tu que dão outra dimensão aos dias, transformando a chuva em delirante orvalho e fazendo do inverno uma estação de rosas rubras.

 As pessoas como tu possuem não uma, mas todas as vidas.

Pessoas que amam e se entregam porque amar é também partilhar as mãos e o corpo.

Pessoas que nos escutam e nos beijam e sabem transformar o cansaço numa esperança aliciante, tocando-nos o rosto com dedos de água pura, soltando-nos os cabelos com a leveza do pássaro ou a firmeza da flecha.

 São as pessoas como tu que nos respiram e nos fazem ins-pirar com elas o azul que há no dorso das manhãs, e nos estendem os braços e nos apertam até sentirmos o coração transformar o peito numa música infinita.

São as pessoas como tu que nunca nos pedem nada mas têm sempre tudo para dar, e que fazem de nós nem ícaros nem prisioneiros, mas homens e mulheres com a estatura da vida, capazes da beleza e da justiça, do sofrimento e do amor.

São as pessoas como tu que, interrogando-nos, se interrogam, e encontram respostas para todas as perguntas nos nossos olhos e no nosso coração.

As pessoas que por toda a parte deixam uma flor para que ela possa levar beleza e ternura a outras mãos.

Essas pessoas que estão sempre ao nosso lado para nos ensinar em todos os momentos, ou em qualquer momento, a não sentir o medo, a reparar num gesto, a escutar um violino.

São as pessoas como tu que ajudam a transformar o mundo.


Joaquim Pessoa,  in "Ano Comum" - Citador



 Imagem e vídeo: Google 

sexta-feira, 29 de outubro de 2021

VELHO BAÚ

 



VELHO BAÚ

 

No sótão do pensamento

guardo um velho baú

enfeitado com tachinhas de latão.

Quantas vezes o procuro

para me poder encontrar

e acalmar o coração!

 

Dentro dele numa completa desordem

misturam-se pedaços duma vida:

Réstias de sol, tranças de luar,

balões coloridos, fitas acetinadas,

palavras ditas, outras por dizer,

conchas e búzios apanhados

em tardes à beira-mar...

 

Numa completa desordem

misturam-se pedaços duma vida,

flores secas, choros mansos,

lápis de cor, botões de madrepérola,

silêncios, vozes a sussurrar,

chilreios de pardais que pousavam na varanda,

passos e gargalhadas infantis,

caixinhas de porcelana

com poeiras bordadas a matiz...

 

No sótão do pensamento

no interior do velho baú

sons e aromas doces dão a mão.

 

As tachinhas amarelas

mais brilhantes e luzentes

parece que cantam alto

tornando mais cheio e forte

o bater do coração.

 

Quantas vezes o procuro...

Maripa




quinta-feira, 21 de outubro de 2021

O QUE ELA QUER DA GENTE É CORAGEM




Palavras de Guimarães Rosa




Yruma - HOPE

sábado, 2 de outubro de 2021

FOLHAS DE OUTONO

 

Photo by Mick Anderson


Folhas de outono


Folhas errantes de outono

com tonalidades de amor

e sinfonias orquestrais de vento...

 

Folhas, pássaros vagueantes,

ondulando sem rumo, ao som

de um adágio cantabile

de uma balada sentimental

de uma sonata

                 em largo andamento.

 

Folhas itinerantes de outono

que voando ao sabor do vento

cantam e choram dentro de mim;

 

deixem-no soprar marés cheias de música,

para que tenha um dia branco,

                                    balançado

com intermezzos de puro encantamento.


Maripa



Autumn Leaves, é o nome em inglês da canção composta em França em 1945, "Les feuilles mortes" (literalmente "As folhas mortas"), com música de Joseph Kosma e letra do poeta Jacques Prévert. Esta é a versão de J.M Armenta.


quinta-feira, 23 de setembro de 2021

O PORTO DO ESQUECIMENTO

 

 
Paynting by Dmitry Kustanovich


O porto do esquecimento


O porto do esquecimento,

onde se acolhem os veleiros condenados,

está sempre imerso na luz baça,

que esconde dos olhos de quem passa,

a memória dos poetas desterrados.

 

O porto do esquecimento,

onde o oceano conversa com as gentes,

tem fantasmas de baleeiros,

tabernas de marinheiros,

histórias de sereias e serpentes.

 

O porto do esquecimento,

de faróis há muito apagados, pelo vento,

tem lanternas que chiam nas correntes,

e acordeões chorando em tons dormentes,

deixam morrer no ar o seu lamento.

 

O porto do esquecimento,

existe entre a vida e a morte, entre a noite e o dia,

parado, sem marés nem luas.

Os sonhos andam pelas ruas,

perdidos na névoa da fantasia.

 

O porto do esquecimento,

fica para lá do fim do mundo e aqui ao lado.

Passada a fronteira das mágoas,

serás chamado pelas águas,

e o segredo do porto, desvendado. 

Manuel Filipe




quinta-feira, 16 de setembro de 2021

PEREGRINA DA VIDA

 



Peregrina da vida

 

Peregrina da vida

no limiar da passagem

para a outra margem.

 

Senhora do seu norte e do seu sul,

dona de um coração desalinhado,

batendo descompassado.

 

Habitada por tremores internos

- visitas que vieram para ficar -

culpados de noites mal dormidas

e descidas aos infernos.

 

Se pudesse exorcizar as tremuras

e todas as outras amarguras...

 

Caminho longo

o desta peregrina cansada,

bem perto da outra margem.

 

Rosto voltado ao infinito,

olhos fechados, ouve ao longe,

anjos a cantar em tom dolente.

 

O vento já desfolha as árvores e

o outono canta: está para chegar

a peregrina que gostava de ter

chuva de rosas no seu poente.

 

É vida ainda, quando nesta margem,

 ...de olhos fechados se pode sonhar.

Maripa



Ernesto Cortazar - Autumn rose

Imagem gif: Pinterest

sexta-feira, 10 de setembro de 2021

A UMAS FLORES AMARELAS

 



 

A umas flores amarelas


Encontro-as por acaso numa ilharga

sombria do caminho. São amarelas.

Reluzem como um sol que arda na noite.

 

Estas flores tão densamente de ouro,

eriçadas de estames que parecem

a pelagem dum gato posto à prova,

 

a mim, que me comovo com igrejas singelas

de preferência a grandes catedrais,

 

mostram um esplendor totalmente inesperado

neste chão de pedra que ninguém diria

poder florir assim.

 

Ó flores cujo nome desconheço,

prolongai esse fulgor humilde em cada dia

de que ainda disponho para ver as flores,

 

antes de as flores virem ter comigo...


A. M. Pires Cabral



Yellow by Coldplay, arranged and performed by Brooklyn Duo.

Imagem : Pinterest

terça-feira, 31 de agosto de 2021

NÃO SEI DEFINIR A COR DA MADRUGADA

Painting by Amanda Miyuki


 

Não sei definir a cor da madrugada.

O gosto sim.

 

Sabe-me a creme [de]leite

polvilhado com canela,

a suaves fantasmas da infância

a entrar pela janela.

 

E quando  nasce o Sol,

 surpreende-me

ensonada e desprevenida,

a alinhavar palavras

concisas ou sem nexo

_ sinais da cruz _

do carnaval da vida.

 Maripa

[já publicado]


YUJA WANG plays RACHMANINOV


segunda-feira, 23 de agosto de 2021

PALAVRAS-BORBOLETA

Imagem Pinterest

 

Palavras-borboleta

 

A névoa cobre os tetos da cidade...

Palavras cansadas espreguiçam-se,

languidamente,

e espreitam pela janela entreaberta

a nudez das folhas em branco

no caderno ainda meio adormecido.

 

As palavras precisam ser regadas

pelo orvalho das manhãs

para serem renovadas e belas...

 

Sei que há palavras que dizem tudo,

ou quase tudo,

que cantam hinos ao sol e à lua,

aos rios e aos mares,

palavras macias como veludo

a fazer nascer borboletas nos dedos

de mãos que não desistem de tocar as estrelas.

 

[preciso tanto de palavras-borboleta para navegar]


Maripa


 

"PURE YANNi" - Butterfly Dance


quarta-feira, 18 de agosto de 2021

DENTRO DOS TEUS OLHOS NAVEGO MAR ADENTRO

Painting  by Justyna Kopania


 

Dentro dos teus olhos navego mar adentro...

Não importa

o tempo sem tempo da espera.

O tempo do derramar

flores para ondear nas águas.

Não importa.

 

Pétalas hão-de cair dos mastros

da caravela onde hei-de dormir

o sono-sonho despido de mágoas.

Importa sim

que mar adentro,

dentro dos teus olhos,

afogue os meus num sonho branco.

Sono-sonho, isento de pecado,

mar de devaneios inocentes

onde mergulhe

e floresça em espuma.

Sono-sonho,

praia bordada de amores-perfeitos

onde a maresia me perfuma.

 Maripa  16 .12. 2008



HAUSER - Playing Love

 

quinta-feira, 12 de agosto de 2021

CANÇÃO DA MINHA TRISTEZA

 





Canção da Minha Tristeza

 

Meu coração não está nas largas avenidas

nem repousa à tarde, para lá do rio.

Nada acontece. Nada. Nem, ao menos, tu

virás despentear os meus cabelos.

 

Nem, ao menos, tu, neste tempo de angústia

vens dizer o meu nome ou cobrir-me de beijos.

Ah, meu coração não está nas largas avenidas

nem repousa à tarde, para lá do rio.

 

A cidade enlouquece os meus olhos de pássaro.

Eu recuso as palavras. Sei o nome da chuva.

Quero amar-te, sim. Mas tu hoje não voltas.

Tu não virás, nunca mais, ó minha amiga.

 

Nada acontece. Nada. E eu procuro-te

por dentro da noite, com mãos de surpresa.

Meu coração não está nas largas avenidas

nem repousa à tarde, para lá do rio.

 

E tu, longe, longe. Onde estás meu amor,

que não vens despentear os meus cabelos?

Eu quero amar-te. Mas tu hoje não voltas.

Tu não virás, nunca mais, ó minha amiga.

 

Joaquim Pessoa, in 'Canções de Ex-Cravo e Malviver



Guitarra Triste

Guitarras : Domingos CaGmarinha e Santos Moreira

segunda-feira, 9 de agosto de 2021

NÃO HÁ, NÃO

 

Pintado porAnand Swooarup

 

 Não há, não,

duas folhas iguais em toda a criação.

Ou nervura a menos, ou célula a mais,

não há, de certeza, duas folhas iguais.

 

Limbo todas têm,

que é próprio das folhas;

pecíolo algumas;

baínha nem todas.

Umas são fendidas,

crenadas, lobadas,

inteiras, partidas,

singelas, dobradas.

 

Outras acerosas,

redondas, agudas,

macias, viscosas,

fibrosas, carnudas.

 

Nas formas presentes,

nos actos distantes,

mesmo semelhantes

são sempre diferentes.

 

Umas vão e caem no charco cinzento,

e lançam apelos nas ondas que fazem;

outras vão e jazem

sem mais movimento.

 

Mas outras não jazem,

nem caem, nem gritam,

apenas volitam

nas dobras do vento.

 

É dessas que eu sou.

 

António Gedeão, Poesias Completas


Autumn Leaves - Yenne Lee