quinta-feira, 23 de setembro de 2021

O PORTO DO ESQUECIMENTO

 

 
Paynting by Dmitry Kustanovich


O porto do esquecimento


O porto do esquecimento,

onde se acolhem os veleiros condenados,

está sempre imerso na luz baça,

que esconde dos olhos de quem passa,

a memória dos poetas desterrados.

 

O porto do esquecimento,

onde o oceano conversa com as gentes,

tem fantasmas de baleeiros,

tabernas de marinheiros,

histórias de sereias e serpentes.

 

O porto do esquecimento,

de faróis há muito apagados, pelo vento,

tem lanternas que chiam nas correntes,

e acordeões chorando em tons dormentes,

deixam morrer no ar o seu lamento.

 

O porto do esquecimento,

existe entre a vida e a morte, entre a noite e o dia,

parado, sem marés nem luas.

Os sonhos andam pelas ruas,

perdidos na névoa da fantasia.

 

O porto do esquecimento,

fica para lá do fim do mundo e aqui ao lado.

Passada a fronteira das mágoas,

serás chamado pelas águas,

e o segredo do porto, desvendado. 

Manuel Filipe




quinta-feira, 16 de setembro de 2021

PEREGRINA DA VIDA

 



Peregrina da vida

 

Peregrina da vida

no limiar da passagem

para a outra margem.

 

Senhora do seu norte e do seu sul,

dona de um coração desalinhado,

batendo descompassado.

 

Habitada por tremores internos

- visitas que vieram para ficar -

culpados de noites mal dormidas

e descidas aos infernos.

 

Se pudesse exorcizar as tremuras

e todas as outras amarguras...

 

Caminho longo

o desta peregrina cansada,

bem perto da outra margem.

 

Rosto voltado ao infinito,

olhos fechados, ouve ao longe,

anjos a cantar em tom dolente.

 

O vento já desfolha as árvores e

o outono canta: está para chegar

a peregrina que gostava de ter

chuva de rosas no seu poente.

 

É vida ainda, quando nesta margem,

 ...de olhos fechados se pode sonhar.

Maripa



Ernesto Cortazar - Autumn rose

Imagem gif: Pinterest

sexta-feira, 10 de setembro de 2021

A UMAS FLORES AMARELAS

 



 

A umas flores amarelas


Encontro-as por acaso numa ilharga

sombria do caminho. São amarelas.

Reluzem como um sol que arda na noite.

 

Estas flores tão densamente de ouro,

eriçadas de estames que parecem

a pelagem dum gato posto à prova,

 

a mim, que me comovo com igrejas singelas

de preferência a grandes catedrais,

 

mostram um esplendor totalmente inesperado

neste chão de pedra que ninguém diria

poder florir assim.

 

Ó flores cujo nome desconheço,

prolongai esse fulgor humilde em cada dia

de que ainda disponho para ver as flores,

 

antes de as flores virem ter comigo...


A. M. Pires Cabral



Yellow by Coldplay, arranged and performed by Brooklyn Duo.

Imagem : Pinterest