terça-feira, 3 de fevereiro de 2009




(...) A memória é uma paisagem contemplada de um comboio em movimento. Vemos crescer por sobre as acácias a luz da madrugada, as aves debicando a manhã, como a um fruto. Vemos, além, um rio sereno e o arvoredo que o abraça. Vemos o gado pastando lento, um casal que corre de mãos dadas, meninos dançando o futebol, a bola brilhando ao sol ( um outro sol). Vemos os lagos plácidos onde nadam os patos, os rios de águas pesadas onde os elefantes matam a sede. São coisas que ocorrem diante dos nossos olhos, sabemos que são reais, mas estão longe, não as podemos tocar. Algumas estão já tão longe, e o comboio avança tão veloz, que não temos a certeza de que realmente aconteceram. Talvez as tenhamos sonhado. Já me falta a memória, dizemos, e foi apenas o céu que escureceu. (...)

José Eduardo Agualusa

Excerto de " O vendedor de passados"
Imagem de S. Lavrentiev

José Eduardo Agualusa é natural de Huambo, onde nasceu em 1960. De ascendência portuguesa e brasileira, gosta de se definir como um afro-luso-brasileiro. A sua obra vive dessa dispersão de raízes e de uma constante viagem entre lugares e pessoas.
É autor de Nação Crioula, Um estranho em Goa e O Ano em que o Zumbi Tomou o Rio ( entre outros títulos).




6 comentários:

  1. o que sonhamos também passa a ser realidade e memoria é também feita de sonhos.
    Querida Maripa, viajei muito de comboio ao longo da minha infância e essas paisagens exteriores que contemplamos são de facto imagens que se misturam com as que residem na nossa mente
    Grata por me ter proporcionado uma recordação
    beijinhos

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  2. E quando o céu escurece mas permanece luz tênue de lembranças...dói

    Que maravilha esse escritor, obrigada por compartilhar.

    lindo dia flor querida
    beijos

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  3. Escolheste um belíssimo excerto de um grande escritor, que aprecio.
    A foto é linda.
    Gosto sempre de tudo nos teus posts. E da música, tão suave para este frio fim de tarde...
    Beijo.

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  4. "A memória é uma paisagem contemplada de um combóio em movimento".
    Que vai de Lisboa a Guarda e deixa sonhos em Coimbra.

    beijos de quem tanto o esperou...

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  5. O comboio sempre me faz lembrar a viagem que fazemos na vida, entramos em uma estãção e um dia sairemos tambem
    beijinhos

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"Aqueles que passam por nós, não vão sós, não nos deixam sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós” disse Antoine de Saint-Exupéry.

Grata pela sua visita e pelo carinho que demonstrou, ao dar-me um pouco do seu tempo, deixando um pouco de si através da sua mensagem.