POESIA-DIA-A-DIA
É difícil viver em poesia
que a poesia ausenta-se. Desaparece. Foge.
E quer ser ontem ou amanhã. Recusa-se a ser hoje
a poesia dia-a-dia.
É preciso deitar-lhe a mão
dizer-lhe que não fuja
e não seja evasão.
Que venha mesmo assim,: mesmo suada mesmo suja
mesmo dor de cabeça náusea transpiração.
E se não quer cantar que deixe de ser ave e ruja
cá dentro - no coração.
O que é preciso é que ela não se ausente.
Que seja dissonância ou melodia
mas que esteja presente
dia-a-dia.
Mesmo que não tenha rima ou seja errada a métrica
mesmo que não fale das coisas da poesia
mesmo que não seja poética
o que é preciso é poesia dia-a dia.
Sobretudo nas horas em que tudo
de repente se esvazia.
e pesa mais que tudo esse vazio
sobretudo
quando o fogo se torna fogo frio
e pesa (de vazio) o dia-a-dia
é precisa (mais que tudo) a poesia.
Manuel Alegre
in "O Canto e as Armas"
(ecrã inteiro)