quarta-feira, 9 de setembro de 2020

PALAVRAS PERDIDAS DE MIM


Christine Ellger



Palavras perdidas de mim


De todos os inconfessos prodígios, um.
    De todos os secretos e estranhos vislumbres, um.
        De todos os silenciosos e loucos devaneios, um.


De todos os sorrisos, o nem sequer imaginado.
    De todas as palavras, as ainda não ditas, as que talvez nunca venham a ser ditas.
        De todos as preces, a ainda não escutada, a que talvez nunca venha a ser escutada.


De todos os anseios, um. O mais louco.
    De todas as loucuras, uma. A mais improvável.
        De todas as improbabilidades, uma. A mais ansiosa.


De todas as verdades, a ainda não desvendada.
    De todos os caminhos, o que não poderá ser percorrido.
        De todas as companhias, a mais intangível, a mais inconcebível.


De todas as viagens ao fim da noite, uma, a mais atormentada.
    De todos os inocentes esconderijos, um, o mais longínquo, o mais frágil.
        De todas as cicatrizes, a mais secreta, a mais invisível, a mais oculta e negada.


Pedra a pedra,
  palavra a palavra,
    loucura a loucura,
      silêncio a silêncio,
        espanto a espanto,
           mágoa a mágoa,
             contrariando o caminho, apagando indícios, negando os passos, desenhando refúgios,


atravesso a noite tentando desligar-me do sentido da escrita, do sentido de tudo, de tudo.


Que as palavras percam os seus significados, que as frases ignorem os seus propósitos. A escrita pela escrita, a escrita no vazio, palavras caídas ao acaso na mente em branco, palavras que não me pertencem, palavras perdidas de mim, palavras que talvez vão pousar no coração de alguém. Talvez. Talvez.

UMJ  [ blog  Um jeito manso]