terça-feira, 17 de novembro de 2020

ÁRVORES DE DOMINGO


painter: Alexander Prokopenko


Habito as distâncias

vivo dentro das distâncias

 

as tuas mãos, o teu rosto,

a claridade, que pelos teus olhos…

o mundo, que pelos teus olhos…

povoam as minhas distâncias.

Sabias?

 

Não. Ninguém sabe de ninguém os mundos

que cada um habita.

 

Falo-te. Nunca te disse.

em longas falas digo-te coisas tão particulares

de cada um de nós

de tudo em volta.

Das pequenas misérias diárias

dos pequenos nadas

do livro que se leu.

Do que se sente

do que se pressente

do que dói.

Das coisas diárias…

 

Do reparar nas coisas. A beleza das coisas.

Da harmonia do silêncio. A harmonia.

Das raízes sinuosas do afecto os inexplicáveis elos.

 

Tudo fica entre mim.

É quasi perfeito como diálogo, o nosso.

Que me responderias?

Que me poderias responder melhor

do que aquilo que te atribuo como resposta?

 

Na minha distância espero-te

sabendo que não sabendo tu que te espero

nunca virás.

É isso essencialmente a distância.

Aí preparo em cada dia especiais momentos

para a tua inexplicável chegada.

 

 

Maria Keil, 

Árvores de domingo (Livros Horizonte, 1986)





Mural de Maria Keil na Av. Infante Santo em Lisboa


Maria Keil fez pintura, sobretudo retratos; publicidade; tentativas de renovação da talha em madeira para móveis e desenho de móveis; decoração de interiores; cartões para tapeçarias (Hotel Estoril Sol, TAP de Nova Iorque, Copenhaga, Madrid, Casino Estoril, etc.); pinturas murais a fresco; cenários e figurinos para bailados; selos; azulejos (Metropolitano de Lisboa, Av. Infante Santo, TAP de Paris e Nova Iorque, União Eléctrica Portuguesa, Casino de Vilamoura, Aeroporto de Luanda, etc.). 

Ilustrou numerosas obras, nomeadamente livros para crianças. Escreveu e ilustrou três livros para crianças e dois para adultos: O pau-de-fileira, Os presentes e As três maçãs; Árvores de domingo e Anjos do mal.