Num lugar que não existe,
tão próximo do mar quanto possível,
escrevo o último poema do ano
sem que saibas que o estou a escrever.
Sento-me rente ao derradeiro precipício
da tarde como se não tivesse vertigens.
Aliso a saia que não uso há mais de vinte
anos para que nenhum vinco gesto alusão
fique por compor.
E deixo que o vento revolva tudo o mais que
em mim existe: uma flor súbita nos cabelos,
o mais frágil e hesitante botão da blusa,
a forma como os meus dedos pronunciam
em surdina a solidão e, por fim, o que resta
de um sorriso, o que fica de sagrado do amor,
num rosto inesquecível que não é o meu.
Neste lugar que não existe,
escrevo-te o último poema do ano
e não saberás nunca que o estou a escrever.